Apresentação

 

Carta de Fundação do coletivo

“A Favor da Rua”

Fortaleza, 02 de fevereiro de 2010. afavordarua@yahoo.com.br

 

Em meio as desilusões e ao individualismo contemporâneo, nasce em Fortaleza-Ce um coletivo que tem como objetivo construir um potencial crítico-prático comum com os trabalhadores na luta contra o capitalismo mundial, com a ousadia de se posicionar a favor da rua. Esse posicionamento passou por um processo de amadurecimento de mais de 16 meses, onde travamos lutas prático-teóricas com os pescadores e o movimento estudantil, onde estivemos defendendo sempre a independência, a autonomia e as representações horizontais.

 

O coletivo a favor da rua leva este nome por compreendemos que a rua é o lugar do encontro, dos desencontros, das descobertas, das transformações, do mundo da mercadoria, como também das lutas cotidianas e históricas. É na rua onde convergem os trabalhadores do chão de fábrica, os camelos, os camponeses, os estudantes, as donas de casa, os motoristas, as crianças, os professores, as prostitutas, os garotos do farol, etc.. Entretanto, este coletivo a favor da rua não apreende o encontro apenas como uma forma meramente casual, por outro lado, acredita-se que ser a favor da rua é compreender que podemos construir participações diretas na realidade social em meio a esses encontros marcados pela tabuleta do mundo do trabalho. A rua é o lugar onde o interesse dos trabalhadores pode ser manifestado e concretizado, com a possibilidade da cidade e do campo ganhar a “cara” de quem os faz.


Assim, o fundamento teórico e prático do coletivo a favor da rua é o marxismo libertário, ou marxismo de conselhos, que foi gestado em experiências históricas de organização de conselhos de trabalhadores como a Comuna de Paris, a Revolução Russa de 1905 e 1917 (em sua fase inicial), as experiências de organização de conselhos na Alemanha, os Movimentos de 1968 na França  bem como a partir das obras do próprio Karl Marx, além de seus seguidores mais coerentes e inovadores, como Rosa Luxemburgo, Anton Pannekoek, Karl Korsch, Herman Gorter, Paul Mattick, Guy Debord, Henri Lefebvre, Maurício Tragtenberg, e tantos outros.

 

 

Certamente, compreendemos que a formação dos conselhos de trabalhadores não são processos mecânicos, mas que dizem respeito a necessidade dos trabalhadores de forjar suas próprias organizações, e que essas se diferenciarão na medida em que se transformam os contextos históricos e espaciais. Nesse sentido, o “comunismo de conselho” se diferencia do “comunismo de partido” pelo fato de compreender aquilo que o próprio Marx já havia afirmado: “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”.

 

Refutamos aqui a idéia de que somente o trabalhador da fábrica conseguirá construir alterações radicais e a revolução verdadeira para o fim do modo capitalista de viver. Acreditamos que a relação de exploração dos trabalhadores, no atual período, ampliou sua escala de atuação e vem sendo transvertida por uma série de outras mediações. Neste intuito acreditamos que as contradições estão atuando nas mais diversas escalas de nosso cotidiano, e não somente no chão da fábrica, demonstrando que uma série de outros sujeitos vem sendo explorados. Assim, abrimos o entendimento de que cada classe-grupo de trabalhadores tem peso imprescindível e apropriações específicas que devem ser levadas em conta para pensarmos a emancipação humana. O que deve existir em comum em cada organização-luta é a compreensão da realidade concreta particular de cada reivindicação e as maneiras lúcidas de atuação e participação no lugar onde se vive contra a sociedade de classes mundial.

 

Enquanto militantes, compreendemos que nosso objetivo é se aproximar dos trabalhadores; contribuir com eles para as possíveis formações políticas, táticas e estratégicas; pensar com eles um mundo para além da vida baseada na troca e no limiar da pobreza; e edificar com eles a clareza social que as transformações só acontecem com a organização política da força social. E claro, estar na rua TODOS juntos.

 

Confirmamos, com o dito acima, que a voz maior da transformação é a da organização desta força que provem daqueles que vivem a realidade e participam socialmente na divisão do trabalho local-nacional-internacional; daqueles que sofrem a violência social da valorização da propriedade privada e da mídia com os gostos descartáveis e desnecessários de consumo. É pela esperança de transformar o que está aparentemente posto e acabado que nos unimos.



Por isso, nesse momento, compreendemos ser imprescindível a luta pela propagação da prática da participação direta dos trabalhadores nas decisões sociais que os envolve, isso conjunto com a organização do movimento social estratégico que os identifiquem enquanto especificidade crítica da realidade global. É na troca da consciência de pessoa cidadã para sujeito social portador de política, capaz de auto-organizar o trabalho e a produção coletiva, ciente do papel auto-gestionário do movimento social e da vida social horizontal contra-capitalista, todo o desafio. O que as coisas virão a ser só o construir da história mundial nos dirá. 

 

 

Para fechar, publicisamos e convidamos todos aqueles que sentem vontade de lutar e defender um mundo para além do capitalismo para fazer parte do coletivo “A Favor da Rua”, contribuindo com o pensamento da formação política e da importância das ruas junto aos trabalhadores. Pois é lá, no meio da rua, na substituição dos automóveis pelos sujeitos sociais, na paralisação do trânsito; no fechamento de BRs; na ocupação de instituições estatais; na conquista de terras e moradias; na ocupação dos portos; na resistência à expropriação; na tomada das estradas de ferro, na luta por uma educação mais lúcida; no encurtamento ao máximo da jornada de trabalho de todos; na segurança trabalhista; na luta por um mundo público-coletivo em marcha; na compatibilização dos salários, na valorização do ser humano anti-competitivo que conseguiremos transformar o individualismo, as violências claro-ocultas no capitalismo e a descrença na transformação do mundo em uma grande força social. É na rua, na ocupação de todas elas, que a voz solitária de uma “pessoa qualquer”, junto com todos, ganha barulho mundial.

 

E aos trabalhadores, desempregados, população pobre em geral, estudantes das universidades, das escolas secundárias e aos que talvez acharam essa carta no chão e leram,  lançamos o desafio: o de sairmos um pouco da “segurança” dos muros, da “solidão” na metrópole superpovoada, das salas de aula, das microcasas e da apatia política geral para pensarmos juntos a participação na organização horizontal presente da vida social contra-capitalista. Pois de uma coisa temos certeza, é lá que estão algumas das contradições nossas e da realidade a serem superadas!

 

Antes, até, juntos e após (d)as ruas: reconstrução libertária do mundo!